No segundo semestre de 2017, eu e meu companheiro decidimos tentar ter nosso filho após 9 anos de relacionamento. Nos preparamos, calculamos o dia fértil e começamos a tentar. Logo minha menstruação atrasou, fizemos o teste de farmácia juntos e comemoramos, pois para nossa felicidade apareceu um superpositivo. Nós nos sentimos os pais mais felizes do mundo, mesmo sabendo que nosso bebê era bem pequeninho nós já conversamos com ele e demos as boas vindas. Infelizmente, da 8ª para a 9ª semana tive um sangramento, corri para a emergência obstétrica e, chegando lá, o sangramento parou. No outro dia fui fazer uma ecografia já marcada e foi constatada a gravidez interrompida. Voltei para a emergência e fui submetida a uma curetagem, pois estava com um aborto retido.
Eu e meu companheiro sentimos muito a dor da perda, passamos pelo nosso luto, choramos, fizemos rituais em homenagem ao nosso bebê, procuramos grupos de apoio, entre eles o Sobreviver (no Facebook). Passamos por todos os sentimentos que os pais enlutados têm após perder um filho, também sentimos a falta de empatia. Nunca vamos esquecer o que aconteceu.
Mas meu relato hoje, após 4 meses da perda gestacional, é sobre as perdas muito precoces, ainda no primeiro trimestre de gravidez. Geralmente as perdas nesta fase não causam tanta comoção, infelizmente as pessoas teimam em mensurar a dor de uma perda gestacional pelo tempo de gestação ou pelo tempo de vida do bebê. Outros sequer reconhecem como vida aquele ser que estávamos gerando. As pessoas não avaliam que, apesar de pequeno, este Ser já é amado e que dói muito perde-lo. Por exemplo, nosso filho foi desejado desde antes do dia da concepção, nós sabíamos o dia que fizemos ele/ela e desde este momento fomos pais. Nós não começamos esta aventura para perder um bebê! Nós só pensamos em vida! Nós amamos este Ser o tempo todo!
Perder um filho nesta fase e sofrer imensamente por ele me fez questionar o valor da vida, principalmente de um ser tão pequeno, do tamanho de uma sementinha. Diante da perda gestacional, me perguntei se o que havia dentro de mim era uma vida. Eu a senti como se fosse, pois todos os elementos estavam ali, houve uma concepção, houve o início da formação de um ser que parou de se desenvolver em algum momento.
Procurei respostas na minha crença budista e ela vê as questões de vida e morte de forma cíclica, como parte de um todo maior, assim sendo não há um fim e nem um começo, há apenas a vida nas suas mais diversas formas de manifestação, vida esta que pode durar dentro do útero uma semana, um mês ou nove meses… Há até mesmo uma vida celular, pois espermatozoides e óvulos devem ter vitalidade para estarem em condições de gerar vida.
Cada vida é como “uma pequena gota no oceano” que gera uma onda, que surge e desaparece. Pode ser uma pequena onda, um tsunami, mas ela não deixa de ser oceano. Cada bebê gerado e perdido é como uma onda que inicia e acaba, porém este ser não deixou de ser parte de um universo maior. Os bebês perdidos numa gestação são como pequenas ondas que impactam a vida dos pais como numa grande ressaca (ou tsunami). Cada onda é única, faz seu trajeto único, assim como cada ser é único.
Aprendi que não podemos aplicar uma hierarquia ao valor da vida, tornando uma mais valiosa que a outra. A vida de um embrião, ou até mesmo de uma célula, vale tanto quanto a vida de uma pessoa que saiu do útero, cresceu, viveu e morreu. Todas as vidas são importantes! Por isto que mesmo um bebê que viveu poucos dias, ou aquela vida que se interrompeu no primeiro trimestre de gravidez, é muito valiosa.
Por isto eu honro este Ser que gerei e que foi do tamanho de um grãozinho, eu o amo infinitamente, bendigo cada momento que esteve no meu útero, celebro esta vida que em pouco tempo me ensinou o quão maravilhoso é SER MÃE. Presto muitas homenagens ao meu filho, pois ele me modificou como pessoa. Os momentos de gravidez foram os mais felizes de minha vida! Como posso esquecer tanta felicidade? Definitivamente, não posso esquecer!
Espero que minhas palavras possam levar conforto. Se o seu luto é recente e ainda está tentando assimilar o que aconteceu, desejo que o relato de minha experiência te ensine algo. Pode ser que a dor seja insuportável, que ainda nem entenda o que aconteceu e esteja perdida, sem rumo, tentando procurar um sentido para a vida. Viva seu luto e não se culpe por isto, chore tudo que tenha para chorar e tente aprender com isto. Eu precisei ir fundo na minha dor para poder renascer e me reencontrar, não foi fácil, tinha dias que viver era um suplício, mas mesmo com toda a tempestade encontrei algo de bom em tudo isto para poder escrever este texto.
Honre e ame o seu filho por menor que seja, pois ele é um Ser único que mudou sua vida.